terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Ouvi NOFX e fiquei rebelde

Textinho de emergência aqui.

Conversando agora aleatoriamente sobre panetones, a seguinte frase foi proferida:

A gente tem que seguir a tradição, é por isso que esse mundo tá assim, ninguém mais segue a tradição. 

Eu não me aguentei e na lata respondi "mas que pensamento burro hein?"

Obviamente eu recebi uma cara de olhos vidrados, chocada com minha resposta e emanando "você é uma decepção pra mim" por todos os poros. Eu fiquei olhando a cena, e minha cabeça foi rapidamente listando os argumentos. 

É claro pra mim que as coisas tem que mudar, e elas vão continuar mudando, porque elas sempre estiveram assim. Eu não sei que mundo ela projetou quando ela disse isso, mas é importante dizer que ela é bolsonarista então tradição pra ela tem um peso político muito forte, porque é onde eles tiram a desculpa pra todas as atrocidades que eles fazem acontecer.

The christian love their guns

Se as ideias nunca mudassem, ela mesma jamais poderia ter cursado a faculdade que ela tanto se orgulha. Provavelmente estaria até hoje trancada num relacionamento abusivo onde eventualmente ela iria apanhar ou se for puxar pela lembrança as ameaças, coisa bem pior. Ela também não poderia ter casado de novo com o amor da vida dela, diga-se de passagem. Esse estilo de vida que ela tem também não seria possível, porque largar o núcleo familiar e ir morar na praia com um monte de gatos é um guarda chuva de absurdos. Divorciada? Heresia. Um monte de gatos? Deve ser bruxa, manda pro forninho, aproveitamos e assamos uma pizza. Andar por aí com as pernocas de fora também não ia dar, porque deixar de usar saias eletivamente foi uma conquista do pensamento rebelde. Ela não poderia nem ir pra urna votar na merda do herói que ela clama e escolheu, porque né, mulher não pensa, tem que ficar em casa se arrumando pra aguentar o marido grosseirão (que é só grosseirão, abusivo é coisa moderna, então não pode. 

Mano, nem Jesus que é Jesus seguiu as regras. Não sei se você já ouviu falar dele, mas ele é até que famosinho nas redes sociais e tem uma credibilidade mais ou menos. Mano, nem ele. Jesus andava com as putas. Andava com os ladrões, abraçava os leprosos, tava cagando e andando pro povo que tava achando ruim. Ele tava preocupado se Maria ia aprovar a Maria Madalena como legítima norinha? Não, porque também Maria tava ligada que todas as nossas decisões tem seu lugar, todas elas levam para o nosso aprendizado. Alguns doem mais, alguns doem quase nada e deixam a gente felizão. Então que que eu vou ficar me preocupando com tradição? Se muitas delas são só coisas que a gente continua fazendo ou porque não sabe porque começaram a fazer isso e continuam fazendo só porque é assim, ou continuam fazendo porque são obrigados. 

Levar flores no cemitério no dia dos mortos é uma tradição. Uma tradição que não faz sentido nenhum pra mim, então eu não faço, mas eu cresci indo todo novembro ver umas lápides de concreto cheia de umas flor horrorosa de plástico. Mas dai tá tudo bem abandonar uma tradição se ela me convém, né?

Eu também odiava ser obrigada a passar a noite de Natal com minha família, mesmo que fosse um festival de cara de cu. Ninguém queria estar lá. Eu queria poder ter aceitado os convites que eu recebia, ir comemorar de verdade e ficar feliz de verdade numa data que é pra celebrar a alegria, a vida. 

Obviamente que eu sigo algumas tradições que eu nem tô lembrando agora que tô acalorada. Mas eu não sou contra que as tradições evoluam, que as ideias mudem. Se o mundo tá uma bosta agora, olha pra trás pra ver que ele nunca esteve muito melhor. Inclusive eu sou grata pela ausência de fogueiras para mulheres solteiras que compactuam com gatos, essa ideia eu particularmente sou bastante agradecida por ter sido alterada. Mas pensa nas ferramentas de tortura cabulosas que existiam, nos porões que eram o home sweet home dos sentenciados, pensa nas mortes estúpidas que houveram porque simplesmente não havia conhecimento sobre saúde e higiene e muitas práticas e matérias primas eram vistas como "do mal". Eu posso continuar falando um bocado sobre a importância que as coisas mudem. E tem uma frase que não lembro de quem é, mas que cabe muito bem aqui é "eu não tenho medo que as coisas mudem, eu tenho medo é que elas permaneçam iguais."

Intellectually sprayed

Se você olha pra trás e vê um mundo melhor é porque o seu contexto também era diferente. Provavelmente você tinha seus pais te protegendo do mundo e você não tinha lá muita coisa pra se preocupar com o mundo acontecendo lá fora. Viver sempre foi díficil, especialmente quando se tinha que ir pro meio do mato procurar comida e não tinha fogo pra fazer aquela lasanha. A vida devia ser especialmente difícil sem lasanha. Então o problema não é o jovem de hoje, não é o excesso de telas, não é o pensamento rebelde transgressor. O problema sempre teve aí, fazendo suas aparições em diferentes formas e nomes e épocas. O negócio sempre foi tentar viver o melhor apesar de tudo isso. Se adaptar, porque até Darwin já dizia que isso era legalzinho e talvez fosse interessante tentar essa parada aí. 

Be the victim of our own design

Os rebeldes tem razão. 

E o que isso tudo tem a ver com panettones? É porque eu queria comer o panettone de caixa azul no Natal e o verde no Ano Novo, mas não pode, porque é tradição. Verde é Natal. 

Me deseje sorte. 

Até amanhã, quem sabe

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