quinta-feira, 31 de março de 2011

A escola de música (dos infernos)

ERA TUDO meio sombrio,
  o chuvisco no fim do dia,
  a casa fechada,
  a pessoa que esperava por mim atrás da porta (que quase me matou de susto quando abriu)
  e a outra que estava de pé atrás da mesa.
Cumprimentei, oi tudo bem, e dei de cara com os quadros feios na parede feia.
  E a casa era feia também. E tava vazia de todo mundo.
Um latido grosso na janela. 
  - Ela deve estar com fome, o sujeito da mesa falou - já vou já vou querida!
  (No mínimo é um monstro, pensei, já que na janela não vi cachorro nenhum. Eu já tava imaginando onde ficava a banheira onde eles iam colocar meu corpo, ou se eles iam apenas alimentar a cachorrinha).
- Vamos lá então?
(Que? Eu já tinha esquecido o que eu ia fazer ali, e na verdade eu já estava meio de saída, sabe...) - Ah é, vamos.
- Então você canta?
Isso.
- O que você canta?
MPB, basicamente.
- Ah, legal. Eu conheço algumas coisas. Como, ehn... ma, Maria... Maria Montes, ela é bem boa né?
(Tá me zuando...) Se você tiver falando da Marisa Monte, sim, ela é bem boa mesmo.
- Então vamos lá, vou tocar uma música aqui. Não lembro o nome, mas é aquela que tocava na novela.
Putz, não assisto novela.
- Nossa, isso ai garota! Novela é tudo lixo. Mas a música é uma famosa, do, do... ehn... começa assim péin, bóin, péin (imagine um acorde realmente bem ridículo no piano)
Acho que não conheço.
- Não, não, você tem que conhecer sim. Vamos tentar. Repete comigo a letra: (tomei a liberdade de resumir as duzentas tentativas que ele fez, espero que você não se importe) "um cantinho um violão, este amor uma canção..."
Um cantinho um violão, este amor uma canção...
- Não. Não é assim, faz um bocão e tira esse som do peito.
Eu estou acustumada a cantar assim. (já posso ir?)
- Ah, então a gente vai ter que arrumar isso, assim não vai dar. 
(É, não vai mas é mesmo) Ok. Um cantinho, um violão... (lírico zuado)

Mais 10 minutos de um sofrido bla bla bla.

Olha, eu te ligo, tá certo?
- Ligue mesmo, vamos botar pra quebrar!
(Boa idéia, onde eu encontro uma marreta?) Tchau hein, muito obrigada!

Muito obrigada, enquanto eu viver, vou lembrar desse dia. 

quarta-feira, 30 de março de 2011

Cresci?



TEM CRIANÇA que conversa melhor que gente grande. 
Eu estava metida numa dessas prosas, 
  sentadas as duas no meio fio esperando o retorno das nossas respectivas mães.
- Você já sabe o que vai ser quando crescer?
Ela levantou os ombros e fez um beicinho pra dizer um "não..." bem baixinho. 
Dai ela me olhou e perguntou:
- Você já sabe?
Dai eu disse, bem baixinho pra acompanhar: 
- Não também, mas quem sabe quando eu crescer eu descubra...
Eu gostei tanto da gargalhada que veio depois, que não teve como não rir junto.


Ilustração do Ceó - http://frasesilustradas.wordpress.com

Cafungadas

TINHA ALGUÉM ali que cheirava igual minha mãe
E eu bem que senti alguém usando o meu perfume. 
Poderia muito bem ser nós duas ali sentadas, 
  viajando pra casa depois do trabalho.
Eu estava em pé, vendo tudo passar rápidinho pela janela. 
E como não estava vendo nada, 
  resolvi me atentar ao que eu podia cheirar.
Tinha alguém ali que cheirava carne assada (e não sei como ele não levou umas mordidas)
E outro que tinha cheiro de quem teve o dia cheio.
Eu provavelmente carregava o cheiro de quem queria chegar em casa quanto antes,
  misturado com o perfume igual da outra moça, que eu já disse.
Tem cheiro pra todo gosto, né?

terça-feira, 29 de março de 2011

Sala de espelhos

EU NÃO SEI como vim parar aqui.
Abri os olhos e estava ali, no meio daquela montoeira de espelhos.
Vi meus problemas se esticarem,
  vi meus medos ficarem bem mais gordinhos do que eu me lembrava.
Olhei pro lado e me vi toda pequena,
  e do outro lado minha própria mão tava querendo me tapar a boca.
Só não achava por onde sair
Eu dava a volta por ali, e voltava pro mesmo lugar.
Era uma dança de ilusões, sentimentos e reações que sempre me traziam de volta.
  Pro mesmo lugar.
  Pro mesmo lugar.
  Pro mesmo lugar.

Tava ali

ENCONTRO é quando a gente anda pela rua e bate o nariz num poste que é de caramelo.

domingo, 27 de março de 2011

O exílio do cookie

ELAS MAL sentaram e já queriam pedir alguma coisa. 
Todas então, fizeram um minuto de silêncio diante do cardápio e pensaram nos seus pedidos.
Então a primeira pediu o cookie de chocolate.
Só depois ela viu que todas as outras resolveram primeiro matar a fome grande. 
Depois da primeira mordidinha. 
Então eu fiz o óbvio, escondi aquele cookie embaixo do guardanapo, do outro lado da mesa - ainda não tá na hora do doce, ué! (mas tá tão bom - ela disse) 
Eu que não ia cair nessa.
O cookie ficou ali refém do término dos salgados, até que a rodada de amigos cookies foi liberada. E todas se olharam felizes, concordando só de olhar que estava realmente muito bom.


Mas tinha que esperar terminar o salgado, né?

sábado, 26 de março de 2011

Amor moderno

PEGUEI o cardápio e analisava as opções,
  e decidi que hoje precisava de uma coisa assim mais suculenta.
Batata frita sempre vem a calhar. A velha batata amiga das horas solitárias das pessoas solitárias. 
Parei pra analisar ali as minhas chances, 
  primeiro pelo facebook,
  postando um vídeo altamente sugestivo pro interesse da minha vítima.
Que acabava de ficar online. Obrigada universo.
Abri uma janelinha e disse meu oi mais simpático, quando a garçonete veio avisar que não tinha batata hoje. Que tal uma saladinha de tomate (verdes fritos, não obrigada - pensei), tutu de feijão e polentinha frita?
O offline apareceu antes de eu conseguir apertar o enter - Não, nem vou querer nada, obrigada - respondi sem nem olhar pra ela.
E fui embora. As opções estavam muito difíceis hoje.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Menino

ELE ERA muito jovem pra ser velho.
Mesmo assim ele estava ali sentado no banco da praça
  esperando a hora certa de se apaixonar.
De camisa xadrez e All Star ele olhava a menina que andava
  balançando seus cabelos (que já foram vermelhos) com a guitarra nas costas. 
Ele sorria pra ela e eu sabia, 
  ele podia ver o futuro diante dos olhos
  na menina que comprava um saco de pipoca 
  e voltava pra casa. 

quarta-feira, 23 de março de 2011

O teatro que não dava pra entrar e duas mulheres que não paravam de falar

Foi basicamente isso.
Quando cheguei ela já estava lá. 
Eu mal a conhecia pra saber, mas a cara dela dizia que tinha alguma coisa errada. 
Oi, tá cheio - ela disse.
Ah que bom, vamos então?
Não. Não dá pra entrar, tá cheio.
Ah. 
Toda aquela gente voltando enquanto eu chegava. Agora tudo fazia sentido. Era a terceira vez que eu tentava ver essa peça. Mas a peça não queria me ver.
Um café? Ela apareceu de volta e disse, ou talvez ela não tenha saído dali em nenhum momento. Não sei. A peça não me queria.
Isso. Um café. Mas onde? Vamos, vamos indo.
Então fomos andando, sem peça, sem pressa, conversando. E conversamos até nos dar conta que atravessamos a cidade caminhando, sem encontrar um café aberto da cidade. 


EI VOCÊS, estamos na capital! São oito horas, porque não tem café aberto?


E olhando ali quase enxergamos um pessoal na varanda tomando chimarrão. Quase, porque aparentemente eles não estavam lá. Não, eles não estavam lá de maneira nenhuma. Tenho quase certeza.
Então andamos. E como não sabíamos nada uma da outra, aquela era a melhor hora pra começar com isso.
Finalmente uma porta aberta apareceu. Entramos e um pouco além da porta ficava a mesa dos tomates, e era essa nossa mesa, sem dúvida. Até porque dali dava pra ver as luminárias gordas charmosas do lugar. Isso.
Quando o chocolate quente  chegou, nós duas já estávamos quase alcançando o nível 2 do estágio "amigas de infância". Quando o chocolate estava pra acabar, já estava frio, porque você sabe, não dá pra falar e beber ao mesmo tempo. Até porque os chocolates de hoje em dia gostam de exclusividade. Os mais antigos eram mais liberais pelo que me lembro. Ou era eu que não me importava com os bigodes. Enfim.
Depois que cheguei em casa, tive a impressão de que muito chocolate vai passar pelas nossas xícaras até que todas as histórias sejam contadas.
E eu achei isso muito divertido. Quem não gosta de chocolate?

terça-feira, 22 de março de 2011

Paralelos

ENQUANTO você viaja,
  o mundo rodopia
  o dia passa, anoitece
  (a fila anda)
  o acontecer acontece

Referência

MINHA IRMÃ mais nova tá ficando velha. 
E ai. E ai que eu tô me perdendo.
Antes eu dividia as pessoas em:
1) Com a idade da minha mãe
2) Muito mais velha que minha mãe
3) Com a minha idade, e
4) Com a idade da minha irmã mais nova, porque "muito mais velha que minha irmã mais nova", é no caso, a idade onde eu me encaixo.
E 5) Aqueles que tinham acabado de nascer, e fim. Era isso.
Mas agora ela resolve que vai ficar velha e me dou conta dessa discrepância entre a idade dela e das pessoas que acabaram de nascer. E agora como vai ser? Como eu faço?
Páre de ficar velha, ô!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Póin



- NOSSA, mas dai quando o inverno chegar, o que você vai vestir?
- Ué, dai eu vou vestir mais roupa. Vou vestir tudo o que eu encontrar pela frente. Vou brincar de bolinha.
- Ahn?
- De bolinha. E sair dando abraço de póin em todos bolinhas da cidade e talvez até montar um clube.
- (cara de bunda) 


Ilustra do Ceó - http://frasesilustradas.wordpress.com/

domingo, 20 de março de 2011

Com rodelas, por favor!

O UNIVERSO e suas engrenagens
  tão velhinhas
Aquelas mesmas desde que sempre era só um comecinho
Aqueles milhares de enormes rodelas de um metal pesado, cheia de dentes, 
  que giram e giram e se encaixam uma na outra. 
Perfeitamente.
E dai é de onde parte o funcionamento de tudo (e o que acontece depois disso)
  E também o que aconteceu antes de alguém pensar em se preocupar com isso.
Pensar que tudo o que já foi, é e vai ser, depende do encaixe de umas rodelas milenares é meio bobo.
Mas o que interessa é que elas sempre se encaixam.
O resto é bobagem de qualquer maneira.

Sonho de menina

ERA UMA MENINA,
  menina de tudo, tão doce, tão linda. (menina)
Menina no seu mundo e suas flores, 
  com sua poesia que carregava em um caderno para todo lugar.
E todo lugar era sua casa porque ela era parte de cada lugar. 
  Cada planta tinha um pouco do seu brilho 
  e sua vida ela emprestava a cada ser vivo que passasse em frente. 
Ela era também o perfume do vento, a chuva, 
  e aquelas folhas que sempre fugiam de casa.


Talvez ela tenha se desmembrado em tanto ser. 
  Hoje não a vejo, não sinto, 
  não encontro mais onde ela poderia estar. 
Hoje tenho medo que ela possa se perder,
  se perder também de mim.
Não consigo reconhecê-la, não importa por onde eu ande. 
 se foram as flores e a poesia antiga, jogada por ai...

sexta-feira, 18 de março de 2011

Que dormir...

FOI ASSIM
 uma pedrinha na janela,
 vidro que quebrou bem no cantinho,
 um vento que bate nos miolos na hora de dormir (que dormir)


Foi assim
 um bilhetinho enrolado que dizia
 qualquer coisa que fazia sorrir (por dias)


E ninguém sabe bem direito como foi
 mas depois disso tudo ficou diferente
 (e tão brega)


Não sei quem foi, mas foi
e foi assim
Agora tenho aqui, um vidro quebrado
o bilhete e eu (tudo enrolado)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Saudosa maloca

AH QUE LEGAL, não sabia que vocês eram amigos. Vocês se conhecem há quanto tempo?
- Olha, a gente se conhece desde que conjunto de moletom era o tipo de roupa perfeitamente apropriada para ir a qualquer lugar, a qualquer hora.
- (hahaha) Nossaentão faz tempo! Eu também tinha um, do Mickey...


(blá blá blá blá)

segunda-feira, 14 de março de 2011

A um pulo

EU ESQUECI como se pula amarelinha. Claro que eu só fui descobrir isso depois.
 então eu quis pular direto pro Céu. 
Tinha esquecido que pra chegar lá, eu precisava passar primeiro do 1 ao 10,
 sem tropeçar, sem cair, sem botar a mão no chão. 
Mas não, eu tinha que chegar direto lá,
 lá no Céu
 com o maior pulo do maior pulo que eu conseguisse imaginar.
Então preparei minha melhor pose de atleta para o maior pulo da história
 meu pulo histórico, e fui.
Meu nariz ficou bem rente ao 7. Minhas mãos no 8 e 9.
 só minha coragem chegou no Céu. Tenho quase certeza que ultrapassou.
Mas os joelhos...

Xiii...

DECEPÇÃO é quando aquilo que você queria muito vem com um defeito de fabricação tão grande que não dá pra fazer de conta que não existe. 


Às vezes acontece com pessoas também.

Aniversário


HOJE é aniversário dela e o que eu desejo, é que ela seja igual a um livro que eu li, sempre com cheiro de bolo dela no coração da gente.
Cheiro desse amor que não tem preguiça nem tempo ruim. 
Desse amor que tem sempre uma fatia pra oferecer.
Parabéns pra você, mãezinha amada, e também parabéns pra vocês também que nunca deixam de oferecer uma fatia a quem visita.


Ilustração do Ceó - http://frasesilustradas.wordpress.com

quarta-feira, 9 de março de 2011

Contos da vida operária

ESTAVA descendo do ônibus, quando ouvi:
- Falou Alfajor, até amanhã!


   E no meio daquela confusão e gentarada, nem consegui olhar pra trás e ver se o sujeito era tão gostoso quanto o outro tava falando mesmo.

É cada uma...

SENTA aí e escuta o que eu tenho pra te falar - ela dizia enquanto circulava devagar pela cozinha. Encostou no balcão e começou:
- O seu amor? Eu não quero! E também não preciso dos seus cuidados, nem da sua amizade, nem dos seus conselhos. Não preciso nada, você tá entendendo? Posso muito bem me virar sozinha sem suas incríveis idéias de jerico...
- Ok. - a outra respondia, enquanto pensava que também ela tinha em mente algo melhor para fazer da vida que ficar ali ouvindo essas abobrinhas. - Acabou? Isto é tudo?
- Se eu tiver sido suficientemente clara pra você...
- Sem dúvida. Você já pode ir. Boa noite. - e coçou a coceira imaginária que surgiu entre seus cabelos enquanto conferia as tábuas do chão.
Foi impossível não ouvir os passos duros e a porta que bateu logo depois.