quinta-feira, 6 de abril de 2023

A pequena estrela no fundo do céu

 Bastante tempo passou mas pouca coisa realmente mudou. 

Mudei de estratégia, fui ao médico, estou tomando remédio. Estou discretamente fazendo minhas coisas, nem de perto fazendo tudo o que eu precisava ou queria. Tendo preferido fazer tarefas mais recreativas, mesmo que não exatamente inúteis e que com certeza estavam entaladas em alguma lista de tarefas amarelada pelo tempo. É até engraçado como tenho pegado peças furadas pra costurar, peças que eu estava usando furadas mesmo, sem quase me importar. É quase uma analogia com o que tenho tentado fazer interiormente, costurar meus buracos, reparar minhas feridas - mesmo que o melhor que posso fazer no momento é simplesmente riscar a tarefa da lista, sem me ater muito a qualidade da execução. Tá feito, então tá ok. 

Também tenho feito algumas comidinhas para mim mesma, coisa que eu adoro mas que fazia anos que não fazia. Minha audiência aqui é exigente, então é libertador fazer só pra mim, sem perguntar, sem esperar pelas caras e bocas de desagrado. Coisas simples, um sanduiche, um omelete, pequenos prazeres da vida que eu tava me furtando por tempo demais. Ouvir música e tapar o silêncio e especialmente as conversas acaloradas que rolam através da janela. 

Apesar de eu ter falado que é pouco, é uma coisa enorme. Vindo de um tempo onde passar uma pomada era uma grande coisa, ouvir música com prazer, cozinhar algo que eu tenho vontade de comer - e ter vontade de comer alguma coisa também é um ponto, fazer essas pequenas coisas recreativas só por mim. É uma vitória com certeza. Mas no quadro maior, não tenho feito nada de útil e pela primeira vez tô bem com isso. Mais bem do que antes, pelo menos. Sei que o processo é lento e nada linear, mas tenho caminhado e consigo sentir uma pontinha de esperança ao ver que as coisas parecem estar caminhando. 

Se antes eu sentia que não tinha nada dentro de mim que valesse a pena oferecer, hoje enxergo com mais clareza que sim tenho algumas coisas. Talvez não sejam grande coisa, mas elas existem. E o mais importante talvez, é que o que tenho em mim, ninguém é capaz de tirar. Minhas palavras, minha experiência, minhas percepções e essa coisa que brilha fraco hoje em dia no meu peito, mas que voltou a brilhar. A esperança, a bondade, a vontade de olhar o mundo com beleza. De novo, não mudou muita coisa, não acordei me sentindo a Polianna, mas tem algo aqui que tá querendo se mostrar mesmo que timidamente. Ao mesmo tempo, percebo que ando mais irritada, mais revoltada com as burrices e gente reclamando de barriga cheia. Destratando tudo o que respira só porque não consegue aturar nem a si mesmo. Me revolto com isso que estamos vivendo hoje, a desinformação que rola solta e as pessoas bebendo disso como se fosse o elixir da longa vida. Sou forte na defesa da sua liberdade de pensar o que quiser, mas pelo meu santo saco, não me envolva nisso. 

Sempre encontrei na raiva uma amiga, porque de alguma forma, ela me impulsiona a fazer algo diferente, quebrar as correntes, mandar todo mundo se foder e fazer aquilo que me dá vontade. Eu posso fazer isso agora? Não. Estou profundamente dependente do dinheiro da minha mãe, mas em tudo aquilo que eu puder fazer isso, eu quero. Não é sempre que eu tenho esse impulso e muito menos a força, mas estou sentindo vontade de abraçar a beleza e a leveza, mesmo que o que me motiva a isso seja a raiva. Preciso continuar por mim, porque eu sou tudo aquilo o que eu tenho. Eu preciso me defender, inflar o peito e estar aí pra mim, mesmo que pisando em cobras. Ainda que eu também rasteje muitas vezes, gosto de acreditar que sou uma cobra com princípios. 

Não tão escondido da superfície, sinto uma tristeza enorme abraçando essa raiva e vejo como isso pode acabar mal. Ainda não me sinto forte pra ter certeza que eu vou seguir de cabeça erguida, mas a certeza que eu tenho é que isso vai passar algum dia. Queria que fosse logo, queria estar inteira e voltar a trabalhar direito, ter minha liberdade de volta. Mas não tenho pra onde voltar, até porque não tem algum lugar emocional que eu gostaria de voltar. O melhor momento é agora, esse momento de esperança de cura, ou tratamento que seja. As coisas foram afundando homeopaticamente que só percebi quando era tarde demais, mas nunca teve ideal, confortável e feliz. Estável. Nunca presenciei isso. É pra lá que eu quero ir. Pra vida onde eu pago minhas contas, sustento um estilo de vida onde eu me sinto gente. Fui muito bem treinada a viver com muito pouco e apesar de querer muitas coisas, depois de cobrir algumas necessidades básicas não tenho muito mais o que querer do que apenas... me manter. Provavelmente gastaria em aulas de todo tipo, instrumentos, dança e consequentemente o que elas demandam, mas sonhar é preciso e até isso me foi roubado. Quantos anos meus foram roubados para conquistar uma suposta sabedoria que eu não tenho exata certeza se consigo acessar quando preciso. Acho que o que eu quero dizer é que agora parece que eu quero muito, mas eu sei de verdade que o meu muito é muito menos do que uma pessoa normal, se é que isso existe. 

Talvez esse pensamento me ajude a me convencer de o caminho pode ser mais fácil, já que não é muito, é mais fácil de alcançar do que um sonhão enorme, né? E se eu sou uma pessoa minimamente razoável, nada mais junto que eu mereça uma realidade condizente. Não tenho problema em começar pequeno, o que eu tenho hoje é quase nada. Também nada me falta de verdade, mas a frustração pela falta de liberdade é algo gritante.

Enfim, é isso.

Me deseje boa sorte.


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