quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um zóio cá

E na curva do caminho, o marcador caiu do livro lá pro meio do ônibus.
Eu fiquei dividindo meu olhar aqui e lá aqui e lá medindo os palavrões pra levantar.
De repente me dei conta da vizinha de banco falando no celular, e da fulana lá na porta gritando confidências pra amiga (que se não era surda, agora...)
Um cara olhando esquisito pra mim. Eu olhando esquisito pro marcador me apurrinhando ali do chão.
De repente eu não sabia mais o que eu tava lendo. 
Respira. Eu estou aqui e agora. Ônibus. Livro.
(o marcador!)
Duas frases, um olho aqui e outro de fianco pro bendito, e percebo que eu tenho mesmo que pegar ele de volta; eu estou na metade  do livro e se usar a orelha, amassa tudo (dai não)
Aqui e agora eu sou um pé lá e outro cá, abaixa, se estica (e puxa) pra resgatar o tão nobre pedaço de papel.
Ufa. Aqui e agora tuuudo está bem. Pronto, agora expira.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Obsessão do 1001

Tempo para ler todos os livros do mundo, tempo pra escrever tudo aquilo que me afoga.
Tempo pra comer de novo (e de novo) meu meio milhão de pratos favoritos. 
Tempo (e estômago) pra tomar todos os cafés que ando devendo.
Tempo pra matar as saudades acumuladas. Pra aprender a levar a vida (e depois sair pro recreio)
Pelos olhos do outro ângulo, eu estou sempre perdendo tempo.
1001 filmes pra ver antes de morrer, 1001 lugares pra visitar e 1001 pratos que eu não posso perder.
E as pessoas que não param de surgir (e eu preciso conhecer)
E o tempo de não fazer nada.
Será que vai dar tempo?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nham!

Fofoca é um ratinho verde de fome vendo um nacão de queijo dando sopa do outro lado da rua.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

All the single ladies



Ônibus alimentador tem inveja de Ligeirão. Pela rua esburacada ele desafia o velocímetro (e o equilíbrio dos passageiros também)
Em pé ao lado da janela, na vaga do cadeirante (que é minha neste minuto) o vento entra e selvageia meus cabelos. E enquanto eu me seguro, treino meu olhar intenso para o horizonte.
Ah, se tivesse mais espaço, um colant e minha luvas, já começaria a cantar.
All the single ladies (all the single ladies)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sem vergonha


(Para uma melhor experiência, ligue a voz mental "Perua".)

Atravessei a rua hipnotizada por alguma coisa que brilhava dentro daquela loja. Passei pela porta absolutamente incapacitada de olhar para qualquer outro lugar.
Eu era um búfalo.
Um búfalo elegante, radiante e bem de olho no meu alvo, claro que sim.
A dois passos, fui detida por um fiu-fiu. Ah mas peraí.
Virei a cabeça para o lado violentamente (aquele cabelo esvoaçando ok) para intimidar meu oponente o mais rápido possível.
Meu oponente era um macaco. Eu definitivamente não podia ser detida pelo fiu-fiu de um macaco (especialmente este de pelúcia).
Estufei o peito, pisquei três vezes e pensei: Foco, olhos no alvo e siga em frente!
Afinal, eu posso apostar que ele faz isso pra todas. Que sem vergonha.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Assombração

Eu estou sendo assombrada. - Foi assim que comecei a contar pra ela.
E ela claro, já foi retrucando dizendo que tudo isso era por causa daquele seriado estúpido que eu andava assistindo. Não adiantou muito tentar explicar quanto eu achava que era um caso bem diferente. Mas ela continuou me dando corda pra falar, então continuei:
"A noite quando está tudo escuro e eu saio andar pelo corredor (sozinha e desprotegida), escuto uma voz fria sussurrando bem perto do meu rosto, dizendo assim: não vá, fique aqui onde você está." E geralmente é bem nessa hora que estou no quase ali pra começar alguma coisa nova. Ela me pega no pulo e eu volto correndo pro meu quarto.
- Ah, então você tinha razão - ela finalmente entendeu - isso é mesmo um caso de assombração. Eu conheço isso pelo nome de mesmice. Faz assim, da próxima vez que essa voz te sussurrar, manda ela catar coquinho que sempre dá certo. Não tem erro.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Hora de parar

CANSAÇO é quando você passou o dia inteiro sentado no escritório (com testemunhas para confirmar), mas seu pensamento saiu pra correr a maratona e depois resolveu voltar andando pra casa.
Áááágua!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Número 33

Tava fazendo meu caminho da roça, sentada no ônibus, quando senti aquele perfume conhecido. O perfume que eu mesma escolhi pra dar de presente.
Por reflexo levantei o nariz do livro e de rabo de olho bem que parecia ele mesmo. Meu papi amado.
Eu sabia bem que não podia ser, mas virei o rosto pra olhar direito mesmo assim. Claro que não era. 
A mão até que parecia, era grandona, mas não aquela mão número 33. O cabelo meio grisalho e a pele queimada de sol. De rabo de olho convencia.
Faltava também meio metro pra cima e outro pros lados, mas pro faz de conta já tava bom.
Fiz que ouvi qualquer recado, curti o perfume, a presença. Baixei o livro e fechei os olhos e fiquei curtindo aquele agora.
Até abrir os olhos e não sentir mais nada. 
O cara ainda estava ali parado do mesmo jeito, mas francamente, como eu pude confundir...

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Viva Bukowski

O bonitão chegou abrindo a porta, em seguida a geladeira, me encontrou jogada na cadeira olhando profundamente para o nada.
Ei - ele começou - não se cobre tanto assim. Deixa que eu cobro por você.
- Cara, você não entende. Eu não vejo nada, não ouço nada, nada clica. Nada clica, dá pra entender? Aquela tela branca pisca o ponteiro, me desafiando. Jogo um monte de letras, e então palavras e elas não combinam. Quando tento apelar pro bom e velho bloquinho (companheiro de todas as bolsas) quase posso ouvir a risada que vem daquela imensidão branca. Deixo tudo pra trás e saio andar por aí, olhando tudo, mexericando, perguntando e nada clica. 
É minha amiga, é por aí. Abre esse olho, apura esses ouvidos e bota a mão na massa. E se não tiver nada melhor, escreve aí do bonitão que chegou na sua casa abrindo a porta e em seguida a geladeira, que te encontrou toda jogada na cadeira pra dizer, ei não se cobre tanto assim... deixa que eu cobro por você.
- Muito engraçadinho você.
Ele virou as costas e foi pro seu mundo, eu virei as minhas pra ir pro meu e comecei:
"O bonitão chegou abrindo a porta, em seguida a geladeira..."
É bom voltar a escrever.

(Vale ver, "Você não consegue escrever uma história de amor", Bukowski)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Upa!

Ela devia ter uns dois anos.
Estava frio e ela estava no colo do pai, coberta por um daqueles casacos muito quentinhos com orelhas de ursinho. Aquelas orelhas de ursinho lhe caíam muito bem, inclusive.
Ela dava tapinhas no rosto do pai dando risada, enquanto ele tentava sem muito empenho se desviar desses terríveis ataques.
Então ela desistiu, colocou seus bracinhos em torno do pescoço dele e jogou todo o peso do seu corpinho nos braços dele.
Uuuupa, mas que abraço gostoso!
E o olhar dele dizia, ele tava falando a verdade.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Acha que cola?


Me contou a história toda até o final, do jeitinho que ele tinha ensaiado.
- E ai, acha que cola?
Cola, cola. Vai lá que eu estou torcendo. Vai dar tudo certo.
- É... mas é que é meio mentira né? Não gosto disso, se eu esqueço um pedaço daí vai complicar tudo.
Complica nada. Vai lá que vai dar certo. E me liga quando tiver voltando.
Então dei aquela batidinha de leve nas suas costas, e ele pegou sua história, estufou o peito, abriu a porta e foi a luta.
Só quando já era tarde demais lembrou de ter deixado a cara de pau em cima da mesa. Bem que reparei que o telefone tocou mais cedo do que eu tava esperando. Mas agora pelo jeito não adiantava mais ir ajudar.
O coitado levou um chute bem no meio da coragem, muito antes de poder terminar de contar o causo.
Ouvi depois a mãe dele dizendo que já sabia que não ia dar certo e depois mais uns três vieram dizer também. Refogaram pra janta o que sobrou da esperança do cara com o resto da paciência que ele tinha trazido.
Encontrei ele num canto, sentei e falei tão mal da véia quanto eu consegui improvisar. Eu gostava dela. E ela nunca ia saber o que eu tava falando.
Agora ele parecia até mais aliviado, sentiu que não era o único desfavorecido pela estupidez desembestada daquela mulher.
Fui dormir todo orgulhoso da minha boa ação do dia. Eu tava ficando bom nisso.
Até que aquele imbecil resolveu contar tudo pra véia. Fizeram as pazes.
Agora era eu que tava ensaiando história.
- E ai, acha que cola?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pidoncha

Sentada no sofá, esparramada, com as duas cadelas se acotovelando pra ver quem ficava com a metade maior do meu colo.
A Efigênia jogando sujo, querendo conquistar espaço com seus beijinhos. A Valentine fazendo de conta que não via nada.
E umas páginas enquanto eu espero. Lá no fundo da minha concentração, um cantarolar de passarinho.
Parei pra ouvir e escutei mais três cantozinhos diferentes. 
Quando vi, nem tava lendo mais. Já tava reparando no sol que parecia querer chegar de mansinho, me pedindo para abrir a janela (e deixar a cortina de lado).
De canto de olho vi duas cabecinhas com idéias. E nos olhinhos escuros das cadelas, o pedido pra ir passear (pode ser agora? pode ser agora?)
Fui vencida. Botei o livro pra lá, peguei uma cadela de cada lado e fomos embora. 
Latir correr e cheirar. Ô vida boa.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Brinquedo velho


Cheguei em casa e vi ela encostada num canto, há muito abandonada por mim.
Não tenho tempo nem vontade - eu dizia - mas agora vai ser diferente. Não foi.
Diferente era quando a gente dançava tresloucada na sala, canto dança e figurino, fingindo não ligar pra vergonha do vizinho se ele nos escutasse.
Diferente era quando de tantos planos, eu mal conseguia dormir.
Então sentei do outro lado da sala e fiquei olhando ela ali, só ocupando espaço.
Ei, volte! - ela me dizia - Não me deixe aqui sozinha, vamos brincar como a gente sempre fez.
Eu continuei olhando, fiz beicinho e sai dali direto pro que eu estava fazendo antes de sentar.
Cantar sempre foi minha sobremesa favorita. Hoje não consigo me lembrar o sabor que isso tinha.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O vermelho

Desânimo é um carretel muito comprido que vai desembolando (e nisso) vai embolando junto a toda vontade de fazer alguma coisa. 
Mas isto pode ser facilmente revertido se um sujeito determinado amigo aparecer e começar a puxar o fio. Daí é tiro e queda. Pá-pum.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Pipoca

Aquilo chacoalhava mais que chacoalhão de mãe depois daquela nhaca.
Quando eu entrei no ônibus já tinha uma comentando algo sobre o estômago querer saltar fora do corpo.
Achei um exagero, mas mudei de idéia assim que fiquei sentada.
Eu bem que tava tentando conversar, levar na esportiva, mas a fofoca tava disfarçada de gagueira e enganando muito bem (e-e-e-e-ent-a-a-ao a-a-a-a vi-i-i-ida co-co-como t-t-ta)
Não tinha jeito, até porque era bem importante manter o esforço pra permanecer sentada (que tava difícil).
Meu próprio dia de pipoca, estourando na panela alaranjada do boqueirão. Desfilando na passarela esburacada da vida.
No terminal, a porta abriu e foi só gente se pipocando pra fora seguido daqueles que tentavam se pipocar panela adentro.
Ah, terra firme. Não via a hora.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Coisa de gato

Ela tava de bobeira voando pelo meu quarto, a bolha de sabão.
Colorida, chegou mais perto só pra me provocar.
Continuei então bem escondido como eu estava na estante de livros, na seção que eu mais gosto, do lado do livro que eu mais gosto (O buraco na caixa e seus mistérios).
E quando eu tava quase pronto pro mergulho de ataque, ela sumiu. Não entendi pra onde ela foi, porque tenho certeza de que não tirei os olhos dela.
Mas bem, mal pisquei e já tinha de novo uma bolha lá, olhei melhor e tinha outra e meu deus, de onde vieram tantas outras agora. Ah não.
Num ato de desespero pulei, tentando então acertar o máximo de bolhas que eu conseguisse. Só quando cheguei no chão que vi quantas ainda voavam lá no alto da minha estante...
Mas eu não desisto, e lá vou eu de novo. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Vovô

Ele já morreu, mas era o tal do cara chato.
Benza deus, o povo falava quando ele saía andar na cidade. Morava ali na casa ao lado.
Dormia as oito e meia e botava todo mundo pra correr. As visita tão cansada e os donos da casa querem ir dormir, era o que ele dizia, ao bater na minha porta.
Morreu de juventude, não aguentou. Foi tanto neto, grito choro e criança correndo pela casa (se pendurando na janela), que foi demais praquele coração azedo.
Não aguentou o doce dos bolos cheirosos que a Dona deixava pra esfriar. Nem a cantoria das meninas no pátio.
Morreu do colorido das pipas avoando com a piazada correndo atrás.
No enterro a vizinhança foi em peso, em preto e em silêncio. As crianças mesmo só se mexeram quando foi pra ir embora.
Até o padre quando encomendou a alma do velho deixou pra deus bem avisado; cê toma cuidado que esse ai ó, morreu foi de raiva.
E todos disseram num coro tímido, amém.