Imagine que você está sentado e velho na sua cadeira favorita. Aquela cadeira que é toda sua e só sua porque você nunca deixou ninguém sentar nela, e porque só ela acomoda perfeitamente suas costas doloridas. E na sala vazia da casa também vazia, você está sentado só esperando a sua hora chegar e levar embora sua idade e sua dor nas costas. E dai o vento abre a janela, você olha e a morte está na sua frente, dando aquela risadinha horrorosa a três centímetros da sua cara. E só quando ela vai embora você entende porque diabos ela estava rindo. A dor nas costas continuava ali.
Ou, espere. Não está mais. Mas você começa a se sentir muito triste porque acabou de voltar do velório do seu filho mais novo (que já tava velho, é verdade), mas de alguma forma sabe que ele vai estar amanhã no hospital e piorar um pouco, mas daqui uma semana nada disso vai ter existido, porque o acidente vai ser daqui a três dias e depois ele vai estar de volta na cidade onde ele mora, e por 16 anos não vai nem pensar em vir te visitar por causa de uma briga que vocês vão ter por causa de uma bobagem que eu não tenho permissão de contar aqui.
E nesse tempo, o enterro da sua mulher, a doença ordinária que foi melhorando rápido, a convivência meio distante e a intimidade, o casamento, a escola (e principalmente as tardes depois da escola), muito tempo que passa até que vocês nem se conheçam mais.
No pátio da casa seu pai varre as folhas, sua mãe chega apressada do mercado com seu irmão mais velho. Sua comida favorita cheira e acorda seu estômago.
Aquela bola que antigamente era velha e toda estourada e que você acabou jogando fora, agora num pacote estampado esperando embaixo da árvore o dia chegar, exatamente como você lembrava. Então você fecha os olhos pra curtir este momento e tudo fica escuro.
E então nem você existe mais.
E aí a história acaba, mas só a sua.