quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Não expulse seu sofá de casa


Não expulse seu sofá de casa.
Pelas ruas são muitos os casos.
Um porque ficou duro, outro porque ficou molenga. 
Porque ficou velho e porque (meu deus) não fica velho nunca. 
Porque ela sonha com o sofá de pelúcia cor de rosa bem no meio da sala.
Eis como me encontro: sem braço, meio furado e sem espuma. Sem nem um cachorro pra arrancar o que ainda me resta.
Abandonado na porta de casa, onde eles entram e saem toda hora e me olham constrangidos sem nunca reconsiderar e me botar pra dentro de novo.
Sem me dar um fim mais digno do que mereceria uma poltrona que se escapole pra trás toda vez que alguém vai se sentar.
Eu que trabalhei sem descanso por vinte anos e três famílias, vinte anos e três famílias e suas bundas e também as bundas dos seus queridos parentes. 
Era eu que estava lá em todos os Natais, em todos os aniversários, em todas as brigas, eu que fiz o cachorro dormir todas as noites, e se não fosse por mim, o bonito lá ja-mais teria conseguido aqueles beijos com a Laurinha.
E no entanto sou eu que estou aqui, na sarjeta da vida. Expulso de casa como um meliante. 
Agora só me resta apodrecer de tanto desgosto. 
(adeus, mundo cruel)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Shhhh


A hora do almoço é a hora da caça. 
Dos olhos atentos, dos movimentos precisos, da determinação implacável com água na boca.
Minha planta carnívora está faminta. Meu bebê está faminto.
De régua em punho, eu aguardo. Estou esperando aquela mosca e seus cinco minutos de bobeira em cima do meu balcão.
(Vem mosquinha vem, virar almoço de plantinha)
Então eu ataco.
Talvez meus instintos predadores sanguinolentos estejam um pouco atrofiados pelos milhares e milhares anos de evolução, mas eu gosto de uma boa briga. 
Mesmo que eu tenha que brigar com uma mosca. 
Uma mosquinha só não faz verão. A família toda veio pra cá passar as férias. Um pleft bem dado e a planta agradece o bocado.
Agora shhh, que ela ta vindo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Segredinho


Eu fiz um perfume pra ele e ele ainda usa quando vem me visitar.
Mesmo que seja só uma imitação daqueles que arrancam os olhos da sua cara antes que você possa sair da loja.
Quando chega, eu sei que é ele só pelo perfume, não preciso de mais nada pra ter certeza. Ele sabe disso também, é o nosso segredinho.
O vidrinho fica sempre guardado em um lugar estratégico dentro do carro. 
Só que agora não existe mais o carro, nem o vidrinho e nem ele.
Só o perfume quando ele vem me visitar.