segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Uma luz no fim do banho

Fechei a porta liguei o chuveiro, tirei a roupa e joguei tudo ali por cima.
Sentei no tapetinho (pra não gelar a bunda) e fiz de conta que aquele box transparente me separava do resto do mundo.
Eu era a Rainha do Azulejo Branco e o box era o limite do meu castelo.
Então deixei que a água morna desse conta dos pensamentos espoletados, igual oxigenada na ferida ardida.
Até limpar bem o que tava sujo.
E quanta sujeira que saiu. Tinha água escorrendo até pelos olhos.
Então foi ensaboar esfregar enxaguar. E secar até que tudo ficasse como parecendo pronto pra outra.
E dai eu estava. Foi só arrematar com o perfuminho.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Motim na noite de Curitiba

E no meio da noite, com a luz do poste entrando pela janela, ele desapareceu. 
Só o travesseiro amassado podia confirmar que o sono tinha mesmo estado ali um pouco antes.
Saiu e levou embora com ele todo o ideal de repouso e descanso que a dona tinha imaginado pra ela antes de deitar.
Pulou pra rua e foi andando e sem querer puxou com ele o fio de toda imaginação que ela guardava dentro da cabeça. 
Enquanto a linha se soltava acendia uma e outra (e outra) luzinha da idéia. E ela ficaria piscando sem fim suas luzinhas até que a noite fosse embora. Até o cansaço vencer a briga no tapa.
E no outro dia, ao perguntar porque raios a idéia não sossega quieta pra se manifestar depois, outra hora (em um horário de família de preferência), a cara-de-pau ainda alegou legítima defesa, já que não pode geralmente ser ouvida (de forma satisfatória, enfatizou) durante o dia, de tanto que a dona arruma o que fazer. 
Meu palpite gira em torno de uma ação em conjunto. Talvez um motim. Estamos aguardando o resultado das investigações.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Criminosa

Eu confesso, eu fui mexer na ficha dele.
Eu queria ver a ficha pra ver a data do aniversário pra ver o signo e pra ver se combinava com o meu.
Não importava muito se ele era boa gente, trabalhador e fiel, não claro que não. Eu também não ligava muito pro signo dele também, eu só estava querendo uma encorajadinha do universo, assim sem compromisso.
Então eu esperei todo mundo descer pro almoço, abri o arquivo e mexi na ficha dele. 
No fim das contas nem gostei muito do que descobri, porque não simpatizo nada com o que significa aquele aniversário. Enquanto eu refletia quanto meu esforço não tinha valido o crime, fui pega com a boca na botija.
A colega-amiga escapou da sobremesa porque tava de regime. Fiquei meio aliviada em olhar pra trás e ver que minha testemunha era uma mulher. Só uma mulher pra entender a importância de um ato extremo como aquele.
Quando eu terminei de explicar tudo ela ficou bem animada, até porque ele era alto e lindo e o signo combinava perfeitamente com o dela.
Aceitei a derrota com meio suspiro. O crime não compensa mesmo, afinal.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Depois que eu for

Não tive tempo de falar tudo que eu gostaria.
Ele sumiu, morreu, foi embora, pouco importa como foi. Na minha vida ele não existe mais. 
Só ficou ainda o que, talvez por causa do temporal, da pressa e das barras molhadas, acabou esquecendo encostado num canto. 
Talvez até tenha me deixado ali de propósito, como naqueles filmes que o mocinho só te deixa ler a carta colorida depois que ele estiver bem longe.
Eu que não deixei nada pra ele além de um olhar todo calado. 
Tudo o que eu senti guardei pra mim.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Escafedeu-se

Eu não sei bem como foi, porque eu cheguei na parte em que ele corria como um diabo corre da cruz. E como corria, aquele diabo. 

Parei em frente a porta meio sem entender pra onde ele tava indo com tanta pressa. Também não entendi como ele tava indo tão depressa. Só cheguei a tempo de ver o rastro que acabava de dobrar a rua.
Quem sabe ele tenha tido alguma ajuda (e aqui podemos concordar que ajuda talvez ainda não seja a palavra apropriada) pra sumir na curva e acabar com essa historia
(de amor)
até porque roupa suja se lava em casa e o diabo deixou todas bem largadas por aí (pra qualquer um lavar) 
Então quem é que pode me julgar por ter fechado a porta atrás de mim, sem esperar por nada mais que pelo café que estava por coar. Duas colheres de açúcar, as cortinas fechadas e um bilhete que não apareceu embaixo da porta mesmo depois de amanhecer. 
Nunca mais então acreditei em amores e diabos e roupas por lavar. 
Apenas o café continua real. Saúde.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Pra frente

Totalmente consciente do caminho, ele ia. Não precisava ninguém dizer que ele fugia, apesar que seria de grande ajuda se grudassem as mãos na sua camisa, dessem com as costas dele em alguma parede áspera e dissessem de que ou pra onde ele fugia. Ele continuava apenas indo, seguindo o que já tinham dito que era intuição ou instinto, ou um outro nome bonito que também servisse de desculpa pra ele não parar. 
Ignorou as ofertas de café e chá que encontrou pelo caminho e nem mesmo aceitou as bolachas. Ensaiou um sorriso ou outro (obrigado), mas de verdade não estava muito preparado pra conversar. Não iria fugir também da conversa, nem do tema (seja lá ele qual fosse), só continuava andando porque achava que isso era o melhor a oferecer no momento. E com certeza ainda era melhor do que sentar naquele banco fresco embaixo da fresca sombra daquela árvore logo ali. Deu uma beliscadinha no braço pra afastar a idéia e continuou. É melhor mesmo seguir em frente. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sequestro relâmpago da motivação

O ônibus parou no terminal e ficou.

Ficou parado de portas fechadas com todo mundo dentro.
O povo lá dentro se mexia e resmungava para descer, mas portas continuavam seladas.
No que pareceu muito tempo, mas no timing perfeito antes de qualquer escândalo, o cobrador se levantou da cadeira e, se ele tivesse o aparato ali naquela hora, com certeza bateria o talher no copo para começar o seu discurso.
Então a multidão que (ainda) se mexia parou por dois segundos, vendo aquele cara se levantar.
Ninguém combinou, mas todos seguraram a respiração até que ele terminasse de falar:
- "A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem!" Tenham um excelente dia pessoal!
Dez segundos de absoluto silêncio e então calmamente ele voltou a se sentar. E todo mundo olhou pro coleguinha do lado em busca de saber o que fazer.
Enquanto os ombros iam abaixando as portas também iam se abrindo, para finalmente libertar os sequestrados.
Saíram aos montes, os assustados, surpresos e os ofendidos, todos se virando para mais uma olhadinha para o que acabava de acontecer.
Inacreditável, de onde saiu esse cara? - eu ouvi um cara dizer - Será que ele é assim todo dia?
Não sei querido, mas algo me diz que amanhã teremos sua resposta...


(Ps: a resposta era sim.)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Na cartomante - 3

Eu vejo você conservando uns velhos hábitos; andando pela casa com o telefone desligado, falando e falando, pra fazer de conta que a solidão não dói. 
Vejo você ainda brigando pelo que não tem direito só porque a vitória é uma boa companhia quando vem; ela senta ao seu lado disposta a te ouvir durante o tempo que você quiser.
Vejo uma multidão que vai chegar e vai embora, alguns antes que você os tenha posto pra correr - porque todos vão. 
Vejo aquela poltrona velha onde você vai sentar pra relaxar seu sorriso treinado no fim do dia, e deixar cair tudo o que é amargo pelo chão do quarto.
Vejo você desistir de todo mundo, porque mesmo depois de tanto tempo você ainda acha que é o único que sabe como as coisas são.
- Você não pode estar vendo isso, eu vejo tudo tão diferente!
- É como eu acabei de dizer, meu filho...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Simpatia pra pereba




Colo de mãe cura tudo. 
Remédio, colo e cafuné é desde os tempos remotos, a simpatia mais certeira pros mais diversos tipos de perebas.
Até aquelas grandonas mesmo.
No colo da mãe a injeção ardida dói menos. 
E é sabido que com cafuné é bem mais fácil encarar aquele remédio danado de ruim.
Atenção mães, não tem nada mais importante que isso:
Remédio quando precisa, e colo e cafuné 3 milhões de vezes por dia.
É tiro e queda e tchau pereba.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Na cartomante - 2

- ...você tá vendo alguma coisa?
- Eu vejo você, sozinho e velho numa casa imensa, sem bichos de estimação. Sentado em uma sala, olhando seus 3 diplomas pendurados, segurando o cachimbo que era do seu pai e que você não teve coragem de jogar fora.
Vejo uma sequência de noites de sono leve, a mão pegando o celular ao lado da cama pra conferir, a cabeça que volta no travesseiro com a certeza de que o celular só vai tocar quando estourar outro pepino no trabalho.
Vejo você de madrugada olhando pelas janelas, pensando em como era você e sua vida quando esse pijama esfarrapado era novo. Acariciando os rostos do porta retrato por ser a única maneira de ficar perto daquelas pessoas (depois de tudo).
 - Nossa, alguma coisa boa... tem?
- É verdade que você gosta de uma cervejinha, não é?
- Gosto sim.
- É, então não se preocupe, isso vai ter bastante.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Revoada

Ansiedade é quando aquela passarinhada que cantava aí outro dia se junta pra fazer um arrastão, e seu peito vira em asa pra tudo quanto é lado. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Na cartomante

- ... e aí, o que você tá vendo? Eu vou conseguir comprar meu carro?
- Não vejo carro, meu filho. Eu vejo seu coração enorme, reformado. Reformado com uma enorme janela na parte de trás. Eu vejo você por horas em frente a ela, absorvendo tudo (agachado) catando os caquinhos que vão te sobrar na lembrança. 
Uma parede de CDs, de poesia sua e dos outros. Principalmente dos outros. Seu relógio andando pra trás toda vez que você encontrar a guitarra velha no suporte na sala. 
Aquela que já tocou muito e hoje em dia só serve de enfeite (empenou, você vai responder). Vejo sua música favorita se transformar em campainha, que avisa quando seu filho entrar porta adentro te trazer uma mãozinha. Vejo um cinzeiro que mal esvazia. Fumaça dançando pela janela enquanto você tenta segurar o que ainda resta...
- Mas e quanto a meus amigos?
- Ah querido, isso tudo vai ser bem depois deles...